A Terra que Mana Leite e Mel...
Publicado em: 21 de Maio, 2025
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“O caminho de volta já se fechou”, disse o cronista, montado em seu cavalo baiardo.
“Seu foco deveria estar à frente; não queremos ouvir sobre o passado”, respondeu o sentinela.
“Ora, estou apenas relatando o que vejo! As árvores aqui neste bosque maldito se fecham e seus galhos se emaranham como correntes de uma algema dolente”, retrucou o cronista, com a poesia impregnada em sua língua.
“Irônico você dizer isso, já que fora o primeiro a ‘quebrar’ tais correntes e fugir do caos…”, relatou o sentinela.
“Fugimos, pois, caso contrário, morreríamos!”, acrescentou o cronista, justificando ter abandonado o castelo quando os bárbaros fardados o invadiram com sua violência desumana.
“Você escolhe ignorar o grito dos inocentes? Preferes observar o massacre de longe?”, questionou, friamente, o sentinela.
“Então, por que fugiu junto comigo, homem burocrático?!”, respondeu o cronista, expondo a hipocrisia de seu parceiro.
Ambos os homens, ao virarem as costas, se tornam cúmplices de um fantoche cruel cuja crueldade sempre demandará narradores.
O covarde que de longe observa e nada faz, sua opinião em nada satisfaz.
O cronista, sujeito acostumado a escrever e romantizar sobre os problemas do mundo do alto de sua torre de concreto e aço, sente constantemente a necessidade de embelezar as palavras que de sua boca saem para os ouvidos alheios impressionar.
Ao seu lado, o sentinela, homem sério e inteligente, era o responsável pela vigia do castelo e também fora quem tocara os sinos que alertaram sobre a iminente invasão. O castelo já estava sendo visado pelos inimigos há tempos. Por conta disso, ele teve que abandonar seu trabalho original como escriba — alguém responsável por relatar a realidade da forma como ela é — e passou a fazer parte da guarda.
Tal troca não o afetou muito, já que esse trabalho era familiar para alguém acostumado a observar o caos de longe. Para o sentinela — aquele que vigia e relata —, de seu monastério, suas palavras não chegam aos ouvidos dos impérios.
Enquanto se afundam cada vez mais nesta floresta escura, a luz do fogo e o som dos gritos, que antes se faziam sempre presentes no pano de fundo, já não podiam mais ser ouvidos. Agora, nesse bosque, restara somente a calmaria e harmonia da natureza — uma terra virgem que ainda se fazia livre da ganância humana; quem dera o castelo nunca nem tivesse sido construído...
Os emocionados e os frios, juntos, presenciam o massacre daqueles que ainda mal sabem dizer o próprio nome. Afogados no rio Lete, suas histórias se tornam vítimas de um flerte malicioso entre a ganância e a guerra.
“Estamos perto! Finalmente consigo ver!”, relata o cronista, logo anotando sua descoberta em sua caderneta — abrigo esse de mil e uma vozes silenciadas.
“Preciso me aproximar…”, murmura o sentinela, buscando pela obscura verdade.
No coração da floresta, encoberta por árvores dodônicas, é encontrado aquilo que os dois homens tanto buscavam em sua fuga — a resposta para a violência desenfreada e a salvação que tanto buscam: a solução para todos os problemas da humanidade.
Enquanto se aproximavam, seus corações palpitavam e suas mãos, antes limpas, agora estavam suadas. De repente, um som pesado e cruel começa a preencher o lugar com sua terrível sinfonia: o portão de Érebo se fecha por trás deles.
Com a curiosidade mórbida entregue à humanidade pelos deuses, ou talvez, por causa do destino cruel tecido pelas Moiras, ambos os redatores coniventes decidem olhar para trás.